Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta;
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente;
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem;
outra parte,
linguagem.
Traduzir-se uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
*Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira, nasceu em 10 de setembro de 1930, em São Luís. Imortal da Academia Brasileira de Letras, com escritos que abordam a complexidade humana. Seu trabalho mais notável é “Poema Sujo”, obra na qual o autor descreve que “foi invadido pela poesia”. Faleceu em 04 de dezembro de 2016, no Rio de Janeiro.